A intercooperação é uma batalha de gigantes que precisa ser enfrentada para que o cooperativismo financeiro ganhe competitividade e escala. A comparação é do presidente da Confebras, Moacir Krambeck, para quem o tema precisa estar na agenda do setor 24 horas por dia, 365 dias por ano.
“Temos que olhar para os cooperados, não para as instituições. A instituição não é a fonte, ela é a consequência. Não quero retirar as marcas, quero reduzir o custo do serviço, e isso só se faz com intercooperação”, ponderou Krambeck em entrevista ao Blog Confebras.
Segundo o presidente da entidade, a defesa da intercooperação acaba de ganhar um novo aliado, o Banco Central, que aposta no fortalecimento das cooperativas de crédito para reduzir a concentração do Sistema Financeiro Brasileiro.
Krambeck também antecipou a criação de um grupo de trabalho para apresentar possibilidades viáveis de intercooperação com foco no apoio às cooperativas independentes, destacando o trabalho que a Confebras tem feito nesse sentido.
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Como a intercooperação pode ajudar a transformar o cooperativismo financeiro no Brasil?
A intercooperação é o 6o princípio do cooperativismo, mas, de modo geral, não é muito praticada no Brasil. No ramo Crédito, o maior em número de cooperados, mesmo com todos os sistemas e todos os produtos que temos, as semelhanças entre cooperativas são maiores do que as diferenças. E se somos tão parecidos, por que não fazer uma só infraestrutura e reduzir consideravelmente os custos? Por exemplo, temos o Sicoob com 7 milhões de cooperados, portanto com uma infraestrutura para 7 milhões; o Sicredi com uma média de 6 milhões e uma infraestrutura para 6 milhões; e o mesmo acontece nos demais sistemas. Manter tudo isso é caro. Uma das alternativas de intercooperação, hoje, seria ter uma estrutura única. Não significa necessariamente que você vai fazer uma nova infraestrutura. É possível buscar dentro dos sistemas aquela que for a melhor e que atenda a todo mundo.
Qual a visão do Sistema Nacional de Crédito Cooperativo (SNCC) sobre essa proposta de intercooperação?
Essa é uma discussão que já está ocorrendo no próprio Ceco [Conselho Consultivo Nacional do Ramo Crédito do Sistema OCB], onde há um grupo técnico pensando nesse assunto e na forma de executá-lo. A Confebras está envolvida muito fortemente na intercooperação, pensando fundamentalmente nas cooperativas independentes. Uma grande parte dessas cooperativas opera com bancos concorrentes, e não dentro do sistema cooperativo, e isso tem consequências. Eu sempre digo: olhem para os cooperados, não para as suas instituições. A sua instituição não é a fonte, ela é a consequência.
Será que os diferentes sistemas e cooperativas de crédito aceitariam adotar uma única marca?
O importante, na minha opinião, mais do que uma marca única, seria a redução dos custos dos serviços, e isso só se faz com intercooperação. Se não fizermos, podemos inclusive ter problemas mais sérios. Os bancos tradicionais estão se unindo, por meio da Febraban [Federação Brasileira de Bancos], em busca de uma infraestrutura compartilhada entre todos eles. E nós, que temos isso em nossos princípios, não estamos fazendo o mesmo. Se não houver união e cada um olhar apenas para o seu negócio, não vai funcionar.
Qual o papel do open finance para o fomento da intercooperação no SNCC?
O open banking é mais uma forma de fazer intercooperação. Não podemos cada um fazer o seu. Temos de pensar em como vamos aumentar a presença do cooperativismo de crédito no Open Banking e não da instituição A, B ou C. Porque tendo esse conceito de que é o sistema cooperativo de crédito brasileiro no Open Banking, todas as marcas vão operar com isso e vão ganhar escala. Mas existe uma resistência, e mais uma vez é consequência de um olhar mais direcionado à instituição e não ao cooperado diretamente.
Como a Confebras vê a intercooperação?
A Confebras tem batido nessa tecla sucessivamente, buscando meios de unir o setor. E agora vai ter um aliado fortíssimo, que será o Banco Central — instituição que aposta no sistema cooperativo de crédito para descentralizar o Sistema Financeiro Brasileiro. Para eles, ter um sistema financeiro em que cinco bancos detêm mais de 90% do mercado é uma questão séria, a ser repensada, porque se um deles tem um problema, afeta o sistema inteiro. Já o cooperativismo está espalhado pelo Brasil. Então, se uma cooperativa passa por uma situação dessa natureza, isso não afeta o sistema financeiro como um todo. Pode até influenciar negativamente a imagem da cooperativa, mas não abala a confiança no sistema financeiro nacional. Por termos uma capilaridade maior, uma rede de atendimento que está entre as maiores do país e pode, atuando junto, mudar essa realidade de concentração no mercado brasileiro.
O senhor citou como benefícios da intercooperação o aumento de competitividade e a redução de custos. Que outros benefícios a intercooperação pode trazer para o cooperativismo financeiro?
Vou citar alguns exemplos práticos: deveria existir, por exemplo, um caixa eletrônico do SNCC. Esses equipamentos poderiam atender todos os cooperados, dos diferentes sistemas, o que ampliaria e muito a capilaridade da nossa rede de autoatendimento. Nos Estados Unidos, bancos e cooperativas operam no mesmo caixa eletrônico, o que torna o custo quase insignificante, porque a escala é enorme.
Também podemos citar seguros e consórcios. Se existisse um consórcio nacional cooperativo, seria possível fazer sorteios todo dia ou até mais de um por dia. Agora, separados, às vezes demora mais, o que pode desmotivar o cooperado a comprar um consórcio. Outro exemplo é o cartão: cada sistema hoje tem sua estrutura de cartão, por que não ter uma só? Podemos operar com todas as bandeiras, mas utilizando uma só estrutura. As pessoas me dizem que, para muitas coisas, já há parcerias, mas parceria não é intercooperação. E por uma razão muito simples: na parceria alguém está fazendo por você, é como um acordo feito de empresa para empresa. Não quer dizer que não devam ser feitas, mas a intercooperação é muito mais profunda, vai muito além. Quem ganha é o cooperado, não a instituição. E toda vez que houver necessidade de ampliação ou aperfeiçoamento, os gestores podem propor melhorias. Mas essa é uma batalha de gigantes.
Como está essa discussão, hoje, no Ceco?
Na coordenação de intercooperação do Ceco, onde temos todos os sistemas representados, estamos discutindo agora a criação de uma infraestrutura de gestão de intercooperação, com profissionais altamente qualificados que serão pagos pelos sistemas de cooperativas para que tragam propostas de intercooperação viáveis. Acredito que quando isso acontecer as coisas vão mudar, quando as propostas, os números e as vantagens estiverem na mesa.
Quando esse grupo de elaboração de propostas de intercooperação começará a atuar e como vai funcionar?
Estamos aguardando o aval do Sistema OCB. Será uma equipe altamente qualificada, que conhece muito bem o tipo de negócio que fazemos, com a proximidade necessária, mas com isenção dos sistemas. Teremos que avaliar possibilidades do mercado e do sistema cooperativo para trazer a melhor opção. E isso será feito por um profissional qualificado, um consultor, um gestor altamente preparado, vai ser uma equipe que fará esse trabalho e apresentará para a Coordenação de Intercooperação [do Ceco]. O objetivo é fazer o cooperativismo financeiro ser cada vez mais competitivo. Porque hoje o sistema tem vantagens financeiras, mas é preciso olhar a longo prazo. Por exemplo, os bancos estão investindo em um processo crescente de digitalização. As cooperativas também estão atentas a essas movimentações, apostando em novas tecnologias, mas a ideia é fazer isso de uma forma mais equilibrada. Nós vamos continuar tendo presença física em determinados lugares, mesmo que seja pequena, porque faz parte do nosso propósito, mas isso com certeza tem um custo maior. E como você anula esse custo? Com ganho de escala.
Em que áreas do cooperativismo financeiro a intercooperação é mais viável?
Na minha visão, todas as áreas são viáveis. Evidentemente, a tecnologia pede um investimento mais robusto, mas também traz a possibilidade de um ganho maior. Se apostarmos na utilização de uma tecnologia para todo o sistema de crédito cooperativo brasileiro, com certeza ganharíamos muito mais proporcionalmente do que se investisíssemos em sistemas unificados de caixa eletrônico, consórcio, cartão. Eu acredito sinceramente que todas as áreas são viáveis, e o caminho está em escolhermos uma para começar. No grupo técnico da Coordenação de Intercooperação do Ceco, uma equipe formada por executivos, já levantamos 23 itens passíveis de intercooperação. Os três primeiros já foram escolhidos, mas podemos dizer que ainda não floriram, estamos na fase de compra de sementes. O primeiro deles é a compra de equipamentos, hoje cada sistema compra o seu e a ideia é fazer um acordo nacional para compra e aluguel de equipamentos.
Outro ponto é o abastecimento de caixas eletrônicos, hoje cada um compra o seu, e o objetivo é reduzir custos. E o terceiro ponto é administrar a inadimplência, as perdas que as cooperativas têm tido em função disso e olhar essas situações de uma forma mais global e não isoladamente. A ideia é começar a discutir esses assuntos nacionalmente. Esses são os primeiros três itens identificados, são os embriões do processo, mas precisamos desse trabalho de gestão mais direta, para que realmente o projeto saia do papel. Os executivos que trabalham dentro das cooperativas e sistemas não têm como fazer esse trabalho, porque têm muitas outras atividades. Precisamos de uma equipe dedicada ao tema da intercooperação, que pense nisso 24 horas por dias, 365 dias por ano, e que seja uma instância independente.
O que mais a Confebras tem feito para estimular a intercooperação no SNCC?
Temos investido muito no compartilhamento de dados e informações, por meio do BureauCoop — plataforma gratuita que reúne os principais indicadores de resultado do cooperativismo de crédito brasileiro. Teremos, também, uma versão em inglês da plataforma e pretendemos incluir dados do cooperativismo financeiro internacional, para dar mais amplitude à pesquisa e ao compartilhamento de informações. A Confebras está firmando, ainda, um acordo de intercooperação com o Fundo Garantidor do Cooperativismo de Crédito (FGCoop), com objetivo de melhorar a performance e a velocidade da plataforma, contando com a participação de técnicos no GT do BureauCoop.
Qual a importância de compartilhar e difundir informações sobre o sistema financeiro cooperativo?
É importante porque você aumenta o nível de conhecimento e o interesse das pessoas por nosso modelo de negócios. A sociedade ainda não sabe o que é cooperativismo de crédito. De modo geral, as pessoas acham que somos mais uma instituição financeira, mas somos bem mais que isso. As cooperativas têm o compromisso de estar junto com seus cooperados, saber o que eles precisam, e para isso é necessário ter um forte relacionamento. E não só com o cooperado, mas com toda a sociedade. Deveríamos estar mais presentes nas universidades, nas escolas. Quanto mais pessoas acessarem o cooperativismo, mais irão conhecer o movimento e vão ver a envergadura e a segurança que ele tem. Por exemplo, quem trabalha na área financeira de uma cooperativa de crédito ainda tem dificuldade em argumentar quando alguém diz ‘você não tem a mesma segurança que um banco’, mas isso acontece muito porque a grande maioria ainda não sabe que existe um fundo garantidor do cooperativismo que garante exatamente a mesma coisa que nos bancos. Por isso, tanto fora quanto dentro do cooperativismo, compartilhar informações sobre o nosso negócio vai nos ajudar muito.