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“Os bancos estatais terão um papel menor; então o crescimento do crédito virá de outras instituições financeiras”

Ricardo Amorim é uma das principais referências em economia do Brasil. São quase 30 anos de atuação no mercado financeiro, 10 deles em Nova Iorque e Paris e 20 em países emergentes, que lhe garantiram uma visão privilegiada dos riscos, das oportunidades e das grandes transformações em curso no mundo. Seu currículo também ajuda nesse conhecimento: é economista formado pela USP, possui pós-graduação em Administração e Finanças Internacionais em Paris, preside a Ricam Consultoria Empresarial, é apresentador do programa Manhattan Connection, da GloboNews e colunista de economia da Revista IstoÉ. Todas essas referências lhe impulsionaram a conquistar um dos títulos mais importantes: considerado, pela Revista Forbes, um dos 100 brasileiros mais influentes e também o economista mais influente do Brasil.

Acompanhar o setor há tanto tempo faz com que Ricardo consiga antecipar importantes tendências, inclusive com base nas peculiaridades de cada segmento. É sobre isso que ele irá falar na palestra “O atual cenário econômico brasileiro: desafios e perspectivas”, durante a abertura do 2º Fórum Integrativo Confebras.

Veja a entrevista que ele concedeu à Confebras, antecipando o tema da sua conferência.

Confebras – Antecipando resumidamente o tema da sua palestra, como é possível avaliar o desempenho da economia brasileira neste primeiro semestre?

Ricardo Amorim – A economia brasileira começou o ano muito mal. Uma decepção. No final do ano passado formou-se uma certa euforia no País que estava voltada muito mais à ideia do que não iria mais acontecer do que, necessariamente, pelo que iria. Muita gente – particularmente, no mundo empresarial – temia que, no caso de uma eventual vitória de Ciro Gomes ou Haddad, o Brasil viveria uma crise econômica grave. Quando isso não aconteceu, houve uma euforia: “agora o Brasil vai crescer”, “agora as coisas vão andar bem”. Mas o ano virou e o governo Bolsonaro começou e não só o presidente, como também alguns membros do seu governo, passaram a comprar uma série de brigas com o Congresso e com as suas lideranças. A expectativa que se formou é que talvez o governo tivesse dificuldades na aprovação da Reforma da Previdência. E se, de fato, ela não fosse aprovada, o Brasil realmente passaria por uma crise fiscal grave nos próximos anos que poderia, inclusive, causar uma nova crise econômica ainda pior do que aquela que vivemos recentemente e foi a pior dos últimos 120 anos. Assim, esse cenário de preocupação, aliado a uma eventual crise fiscal por conta das dificuldades políticas do governo, levaram várias empresas que pretendiam fazer investimentos no Brasil a desistirem dessa ideia. E quando isso aconteceu, empregos que seriam gerados deixaram de ser gerados e a expectativa pelo aumento da geração de renda e de consumo deixou de existir. Moral da história: a economia no primeiro trimestre andou de lado. Cresceu 0,1%. Mas aí veio o segundo trimestre e as expectativas começaram a melhorar. Ficou claro que esse risco da Reforma da Previdência não ser aprovada não existia mais e, com isso, a economia já melhorou um pouco: cresceu 0,4%. Esse índice, quando comparado ao trimestre anterior, aponta uma melhoria, mas é importante salientar que, de uma forma geral, isso não é muito. Quero dizer: se a economia crescesse isso durante o ano inteiro, ela alcançaria um aumento de 1,7%. Não é nenhuma maravilha, embora também não seja o caos.

 

Confebras – Diante dessa realidade, quais são as perspectivas para o Brasil no segundo semestre em diante?

Ricardo Amorim – O mais provável é que, com a aprovação total da Reforma da Previdência, o País tenha um terceiro trimestre parecido com o segundo, já que esse é o ponto mais importante para a economia no último semestre deste ano. Para o ano que vem, o Brasil, além disso, deve passar também por um avanço relacionado diretamente aos programas de privatização, aos programas de concessões e à reforma tributária. Com tudo isso, a economia deveria acelerar bastante. O risco do ano que vem, no entanto, é o cenário externo: a expectativa é que o mundo entre numa recessão global, refletindo, claro, também em nosso País. Isso fará com que o Brasil sofra uma desaceleração temporária, mesmo que coloque a casa em ordem. Então, só na sequência, quando a economia mundial recuperar o seu rumo, o Brasil poderá crescer mais.

 

Confebras – De que forma os desafios que o governo têm pela frente poderão impactar no sistema financeiro e no setor cooperativista financeiro?

Ricardo Amorim – O governo tem vários desafios pela frente, mas um dos mais importantes é fazer com que haja crédito suficiente para que os investimentos e o consumo possam acontecer. Afinal, é isso que vai fazer com que o Brasil cresça mais nos próximos anos. E, nesse sentido, é bom a gente lembrar que, tanto o BNDES, quanto os demais bancos estatais terão um papel bem menor em relação ao que já tiveram no último ciclo de expansão. Ou seja: o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal não vão emprestar tanto, assim como o BNDES também não e nem os bancos estrangeiros, que vêm tendo uma presença cada vez menor no Brasil. Isso significa que o crescimento do crédito tem que vir das outras instituições. Os bancos privados, por sua vez, deverão expandir a oferta de crédito, mas não são só eles que compõem o outro braço do sistema financeiro. As cooperativas de crédito e as Fintechs (startup de finanças?) também estão dentro deste cenário. Na minha visão particular, o que o governo e o Banco Central precisam fazer é estimular esses dois modelos de instituições. Por um lado, as cooperativas de crédito já demonstraram a sua capacidade de crescimento e, nos últimos 10 anos, ganharam muita participação de mercado. De outro, as Fintechs podem oferecer uma expansão maior do crédito a um custo mais baixo. Juntas, as duas podem ajudar a alavancar a economia brasileira.

 

Confebras – O que falta para fazer a economia brasileira crescer?

Ricardo Amorim – O principal fator para fazer a economia brasileira voltar a crescer, e de forma sustentada, no curto prazo (nos próximos dois, três anos) é acabar com o medo. Isso porque a desconfiança leva os agentes econômicos a serem muito cuidadosos nas suas decisões. Por exemplo: um consumidor que está com medo do futuro deixa de gastar porque receia perder o emprego, mas, ao mesmo tempo que ele não gasta, uma empresa também não vende e, quando ela não vende, também não contrata. Então, a falta de confiança gera um círculo vicioso. A mesma coisa acontece com o investidor: quando ele acha que as coisas podem piorar não irá investir e, quando ele não investe, também não gera empregos e, sem empregos, não se gera renda e, ao não gerar renda, não tem dinheiro pro consumo e aí as empresas não conseguem vender mais. Como a gente quebra esse ciclo? Por meio da geração de políticas econômicas que sejam sustentáveis e que façam sentido. Isso o governo tem feito. A parte que ele não tem feito é passar segurança para os consumidores e para os investidores. A parte política do governo está gerando muita instabilidade e isso gera muitas preocupações. Talvez o caso recente mais importante tenham sido as brigas com os líderes europeus a respeito da Amazônia. Esse tipo de postura realmente não ajuda porque uma parte do dinheiro que o Brasil deveria receber de investimento nos próximos anos viria desses países em questão. Tal confronto torna mais difícil a chegada de investimentos importantes que, por consequência, possam gerar mais empregos e fazer crescer a economia.

 

Confebras – Como as cooperativas e as empresas devem agir nesse momento de incertezas?

Ricardo Amorim – A recessão propriamente dita ficou para trás já há algum tempo, mais precisamente há dois anos e meio. Dos últimos 10 trimestres, a economia cresceu em todos com exceção do primeiro trimestre deste ano. Hoje, então, o Brasil está num processo de recuperação, só que com dois problemas. O primeiro é que a recessão anterior foi a mais longa e profunda da história brasileira e o PIB encolheu muito, chegando a 9%. O segundo é que o ritmo de crescimento neste início de recuperação foi muito lento, muito fraco. Moral da história: desses 10 trimestres, a gente recuperou apenas metade do que tínhamos perdido ao longo da recessão – o PIB, que havia caído 9%, cresceu 4,5%. Então, ainda faltam a alcançar os outros 4,5% só para chegar onde estávamos no fim de 2014. É isso que explica o fato do desemprego continuar alto, dos salários estarem mais baixos no geral, da sensação das empresas e dos negócios de que as vendas não estão acontecendo. Para mudar essa realidade é preciso mais tempo de crescimento e também de aceleração desse crescimento. E, diga-se de passagem, é o que deve acontecer com aprovação da Reforma da Previdência, da Reforma Tributária, das privatizações, das concessões e de menos programas de desburocratização no Brasil. Só que, como já mencionei, existe uma condição externa que pode colaborar para esse crescimento demorar ainda mais e não ser suficiente para resolver a questão da economia brasileira. Se tal recessão se confirmar, talvez esse avanço fique mais para frente. Mas se ela não acontecer, o Brasil deve, já no ano que vem, colher os frutos dessa aceleração de forma mais contundente.

 

 

Data da publicação: 01/10/2019

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