A supervisão intensiva e especializada nas atividades das cooperativas financeiras tem auxiliado na perenidade do segmento e é uma das explicações para o crescimento do Sistema Nacional de Crédito Cooperativo (SNCC) acima da média das demais instituições financeiras nos últimos anos. A afirmação é do chefe-adjunto do Departamento de Supervisão de Cooperativas e de Instituições não Bancárias do Banco Central (Desuc), Ívens Miranda, feita durante a terceira rodada do BC UNEVozes, evento online para troca de informações entre o Banco Central do Brasil e as cooperativas financeiras, promovido pela Confebras.
“O Sistema Nacional de Crédito Cooperativo é um dos segmentos que tem a maior quantidade de linhas de defesa. A quantidade e a qualidade delas são algumas das motivações desse crescimento do cooperativismo de crédito. Observamos que houve uma evolução na capacitação dos dirigentes, no grau de maturidade, no desenvolvimento de controles internos, bem como de processos e de ferramentas de tecnologia”, listou Miranda.
Na carteira de crédito, por exemplo, de 2005 a 2022, a do Sistema Financeiro Nacional (SFN) aumentou 9,2 vezes; enquanto a do SNCC cresceu 34,2 vezes segundo Miranda.
Baseado em dados e com articulação entre diversas diretorias do BC, o atual modelo de supervisão das cooperativas financeiras integrou ainda a auditoria cooperativa, a supervisão auxiliar e a auditoria interna, além de utilizar a inteligência artificial para avaliação de riscos na carteira de crédito.
O escopo das auditorias é definido pelo Banco Central de forma ampla para todas as instituições cooperativas. Segundo o chefe-adjunto do Desuc, cada cooperativa também pode incluir temas específicos para o trabalho das auditorias cooperativas, de acordo com demandas identificadas pelos colaboradores ou dirigentes, ampliando a avaliação de riscos incorridos.
Miranda destacou que o processo de supervisão das cooperativas não se trata de punição das instituições, mas de atuação prudencial para identificar variações atípicas de informações financeiras, problemas de solvência, tendência de descontinuidade e outros riscos. Tudo isso, segundo ele, seguindo critérios de proporcionalidade. “O Banco Central não atua da mesma forma na supervisão de uma instituição do S1 e outra do S5, porque a normatização é diferente e os riscos são diferentes”, explicou, em referência aos cinco segmentos do SFN (S1 ao S5), determinados pelo porte, nível da atividade internacional e perfil de risco das instituições.
No caso das cooperativas singulares independentes, essa proporcionalidade na atuação garante que a supervisão seja adequada e atenda ao objetivo de assegurar a continuidade das instituições e mitigar eventuais riscos existentes no SNCC.
“No passado, circulavam informações de que o Banco Central não desejava a existência das cooperativas independentes. Isso não é verdade. O que o Banco Central exige é que haja aderência normativa e que as instituições sejam solventes. Até mesmo porque uma instituição com algum risco de descontinuidade proporciona potencial prejuízo para todo o sistema financeiro, bem como para a sociedade brasileira”, ponderou.
Com a experiência do processo de supervisão do SNCC, o BC está avaliando estender o modelo de auditoria cooperativa para outros segmentos do sistema financeiro.
Desafios e oportunidades
Os resultados da supervisão das cooperativas desde a criação do Desuc, em 2005, também têm apontado desafios para o segmento, como a necessidade de aperfeiçoamento da governança e de adequação do gerenciamento de riscos para evitar reincidências.
“Os custos com a auditoria cooperativa devem ser transformados em benefícios. Não adianta nada ter um trabalho de auditoria cooperativa, receber um relatório, mas não analisar e não implementar as medidas necessárias para corrigir a eventual irregularidade que ele indicou. O Banco Central tem demandado que as instituições façam a correção da causa raiz dos apontamentos e a implementação de uma gestão de risco mais adequada para evitar a reincidência”, ponderou.
Miranda também indicou a criação de políticas de sucessão e o fortalecimento da intercooperação como desafios, principalmente em relação às cooperativas independentes, que muitas vezes podem ter sua continuidade ameaçada por não conseguirem atender isoladamente aos normativos vigentes, ou pela sobreposição de interesses individuais de dirigentes em detrimento dos interesses coletivos.
Resolução 4.966/2021
Outro ponto de atenção na agenda do Desuc é a adequação das cooperativas de crédito brasileiras aos novos critérios contábeis para atender aos padrões internacionais previstos na Resolução CMN 4.966/2021, que entra em vigor em janeiro de 2025.
Essa resolução está alinhada ao IFRS 9 (do inglês International Accounting Standards Board), uma norma contábil internacional que trata dos instrumentos financeiros na classificação e mensuração de ativos, cálculo de perdas esperadas e regras para contabilidade de hedge, alinhado à gestão de riscos.
A readequação requer mudanças significativas nos processos das cooperativas, que passarão a lidar com diferentes metodologias, mensurações e conceitos relacionados aos instrumentos financeiros.
“A Resolução CMN nº 4.966/2021 será implementada em 1º de janeiro de 2025 e o prazo não será postergado. O que estamos avaliando agora são eventuais necessidades de ajuste, observando os problemas que irão ocorrer se alguma instituição eventualmente não conseguir implementar a norma. Estamos avaliando quais medidas serão necessárias para adotar, seja um processo administrativo sancionador, a concessão de prazo para estabelecimento de plano de regulação ou alguma medida coercitiva”, antecipou Miranda.
Segundo ele, o Desuc tem atuado junto às cooperativas para conhecer o grau de implementação das novas regras, entender as dificuldades e auxiliar com informações, mas nem todas as instituições cooperativistas têm atendido ao chamado do BC.
“É muito importante sensibilizar os dirigentes das cooperativas, os Conselhos de Administração, Conselho Fiscal, as diretorias executivas e os gestores responsáveis sobre a importância da implementação para que participem dos eventos informativos sobre a Resolução 4.966/2021”, afirmou Miranda.
O vice-presidente da Confebras, Luiz Lesse, aproveitou a oportunidade para anunciar que a Confederação promoverá, em breve, um evento para apoiar as cooperativas financeiras, em especial as singulares independentes, na adequação às novas regras contábeis.
BC UNEVozes
Com a participação online de cerca de 200 representantes de cooperativas financeiras, o terceiro evento do BC UNEVozes consolidou o projeto como um importante espaço de diálogo e informação com o Banco Central.
Promovido no âmbito de um Acordo de Cooperação Técnica entre a Confebras e o BC, o projeto já teve edições sobre educação financeira e regulamentação das cooperativas de crédito.
“O BC UNEVozes é um canal de comunicação que facilita a troca de informações entre o Banco Central e as cooperativas financeiras, especialmente as cooperativas independentes. E já percebemos que essa comunicação está muito mais forte desde o primeiro encontro. As cooperativas têm valorizado essa iniciativa da Confebras e do Banco Central”, afirmou Lesse.
Miranda também destacou a importância do diálogo com o segmento cooperativista, que integra a agenda estratégica do Banco Central para a inclusão financeira. “Um evento como o BC UNEVozes é importante inclusive para a missão do Banco Central do Brasil, pois permite que a gente compartilhe informações relevantes, e também possa receber demandas que auxiliem o nosso trabalho de reflexão para que as cooperativas possam ser atendidas da melhor forma possível.”
O próximo evento online do BC UNEVozes ocorrerá no dia 13 de novembro, com o tema “Agenda de sustentabilidade nas cooperativas de crédito”.