Pensar na economia como uma ciência distante e ligada somente a números, planilhas e cálculos matemáticos não reflete mais a realidade do nosso tempo. Uma nova perspectiva sobre a relação das pessoas com o dinheiro tem de levar em conta o peso que as emoções têm nas decisões financeiras.
Essa é justamente a abordagem da economia comportamental — campo de estudo que busca entender como o comportamento humano interfere nas decisões financeiras de uma pessoa. Afinal, mesmo quem já tem algum conhecimento de finanças, às vezes pode comprar por impulso ou até terminar o mês sem nenhum centavo guardado no final do mês. Motivo? Simplesmente não lembrar, nesses momentos, que todo R$ 1 milhão é formado por notas e moedas menores: de R$ 1, R$ 10, R$ 20, R$ 50 e R$ 100.
Quando você convence alguém de que o apreço às pequenas quantias tem de ser análogo ao apreço pelas grandes quantias, também sugere uma mudança de comportamento”, ensina o economista comportamental Marcio Nami, parceiro antigo do cooperativismo financeiro e da Confebras.
Nami acredita que o cooperativismo financeiro tem potencial para difundir esse conhecimento a um número exponencial de pessoas. E é isso que ele conta para nós em uma entrevista exclusiva, para o blog da Confebras. Confira!
O que é a economia comportamental?
Quando as pessoas falam de economia, pensam em números, planilhas, cálculos matemáticos complexos e por aí vai. A economia comportamental trata justamente do contrário; trata do comportamento humano com relação a decisões financeiras, com relação a atitudes de uma forma geral. Porque, apesar de parecer uma coisa racional, no segmento financeiro nós somos instintivos, muitas vezes irracionais. A economia comportamental mostra a realidade do comportamento financeiro do ser humano e, como consequência, a maneira de corrigir e melhorar isso, com o devido cuidado.
Como a economia comportamental se conecta com a educação financeira?
Basicamente mostrando um caminho mais intuitivo, sem abrir mão da sua racionalidade, porque você começa a entender cada ser humano como um universo. Cada um vê o mundo de uma maneira diferente, toma as decisões de uma forma muito peculiar e, apesar de ser influenciado pelo ambiente, as influências pessoais — como a cultura, a história de vida e o autoconhecimento — também são muito importantes. A conexão com a educação financeira está na forma um pouco mais leve e fluida de conseguir tomar decisões, fazer planejamento, gerar resultados, entender limitações e saber a diferença que pouca gente consegue perceber entre o que ‘eu quero’ e o que eu ‘realmente quero’. A economia comportamental se conecta com educação financeira profundamente quando deixa bem clara a visão do que eu realmente quero, ou seja, o que é realmente importante para mim e como vou desprender esforços para isso.
Como a combinação entre economia comportamental e educação financeira pode ser um diferencial para o cooperativismo financeiro?
Como as cooperativas são sociedades de pessoas, elas podem entender melhor do que outras instituições financeiras o comportamento de seus cooperados em relação ao dinheiro. Esse é um verdadeiro diferencial competitivo que as cooperativas. E de dois ou três anos para cá, elas têm começado a se preocupar com essa equação: comportamento + educação financeira + cooperação. Essa equação tem um potencial muito grande de expansão, de geração de resultados.
Na prática, como uma cooperativa financeira pode agregar conhecimento de economia comportamental às suas iniciativas de educação financeira?
O que a economia comportamental aliada ao cooperativismo faz nesses casos é realmente virar uma chave. Aquela chave que a pessoa começa a perceber o que realmente pode fazer com o dinheiro, o que realmente pode construir em relação ao futuro. Um exemplo simples de como virar essa chave na cabeça das pessoas: se você pergunta para uma pessoa ou para um grupo o que R$ 1 milhão faria na vida delas, a maioria responde com sonhos, ideias e projetos. Se você muda a cifra e pergunta como R$ 1 mudaria a vida dela, aí as caras se fecham, as pessoas murcham. E a economia comportamental te mostra isso: você olha para o milhão, mas tem dificuldade de perceber que aquele milhão é composto de reais. Quando você convence alguém de que o apreço com relação às pequenas quantias tem de ser análogo ao apreço pelas grandes quantias, também sugere uma mudança de comportamento. Você para de desprezar pequenos valores, de deixar aquele dinheiro no cantinho da bolsa, esquecido no carro, de não saber exatamente quanto tem na conta, não saber exatamente quanto custa executar um projeto, uma ideia. Essa mudança de comportamento é um excelente mecanismo de cooperação e de valorização do recurso financeiro dos cooperados.
O cooperativismo sempre se destacou nos momentos de crise. Em um cenário em que 79% das famílias brasileiras fecharam 2022 endividadas, qual o papel das cooperativas financeiras para melhorar esse quadro?
São três papéis fundamentais: educação, educação e educação. Porque o que fez com que o cooperativismo estivesse próximo às pessoas durante todas as crises foi a educação. Ela é um diferencial competitivo que a cooperativa, por ser uma sociedade de pessoas, já tem na sua essência, nos seus princípios, e tem competência para fazer. A questão é a sistematização, quando a cooperativa busca iniciativas continuadas, com programas, projetos, workshops, encontros, mesas de discussão, esse potencial é alavancado.
Esse momento do país e da economia é fundamental para que as cooperativas financeiras exerçam o que elas sabem fazer de melhor, que é despertar esse potencial educativo no quadro de cooperados, no quadro de funcionários e principalmente nas comunidades onde elas atuam. E a economia comportamental é um diferencial competitivo que pode ser muito explorado neste trabalho.